terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Uma Fantasia / Amor Bailarino



Uma Fantasia

Amor Bailarino

Esta história se passa no meu íntimo, e é fruto de anos de sonhos, esperanças e convivência com o ballet, tanto nos palcos, quanto atrás dos bastidores e também nas aulas e nos ensaios...
É sobre aquele desejo secreto que só em pensamento posso realizar. É uma história de amor proibido entre um casal de bailarinos, onde um deles é comprometido...
Eles durante anos conviveram no esforço das aulas, no empenho dos ensaios e na satisfação de dançarem para um grande público. Desta convivência foi nascendo um elo que se tornava gradativamente a cada dia mais forte.
Mas eles não se davam conta disso, pensavam que fossem somente reflexos da magia dos palcos, ou da vibração do som, do calor das luzes, da euforia dos aplausos, daquela  ansiedade de trás dos bastidores ou mesmo da intimidade dos camarins.
Entretanto a evolução dos fatos vai se processando lentamente até, que um dia como se fosse um flash de uma câmera fotográfica, dá-se luz em seus corações e a consciência do elo aflora em toda plenitude.
E conhecedores então desta nova força, a princípio perdem-se em júbilo e devaneios, mas a realidade se impõe entre eles afastando-os. Sofrendo muito passam a se evitar, como se estivessem contaminados!

Mas a semente já estava semeada

Passa-se o tempo e o destino em auxílio, faz com que eles se encontrem novamente nas novas danças programadas, que seriam levadas em cena num futuro próximo...
Noite da estréia, a platéia lotada, eletricidade estática no ar... Agora já no palco com o telão aberto, observados pela multidão eles banhados pelo calor das luzes dos Spots Light, os seus corpos jovens e bem trabalhados bailam envolvidos pelos acordes dinâmicos da música que vibra a cada compasso; os seus corações acelerados pelo esforço exigido pela coreografia e pela adrenalina que corre em suas veias, batem frenéticos. Com o suor a lhes escorrer pelas faces e músculos retesados sorriem para platéia como mais um fator de comunicação...
No ar um cheiro mágico da classe dos feromônios exalado dos seus corpos quentes está a insinuarem-se numa linguagem silenciosa quase telepática, infiltrando-se pelas suas narinas arquejantes estimulando os seus sistemas límbicos; que por sua vez faz com que eles inconscientemente se desejassem no mais forte dos impulsos primários...

O espetáculo desta noite terminou, o público vai se dispersando lentamente tragado dentro da noite chuvosa. No palco agora como figura principal num melancólico solo, aquela já tradicional faxineira figura de todos os dias, com seu esfregão a limpar entretida em seus pensamentos, o chão.
Na platéia agora vazia, apenas o eco do burburinho do público a morrer no ar e a  lembrança dos aplausos... Do espetáculo resta apenas o silêncio. O silêncio marcante das expectativas de novos espetáculos.
Os componentes do ballet, em ruidosos grupos ou em românticos pares, alguns sozinhos perdidos em sonhos, vão-se todos aos poucos lentamente pela passagem lateral rumo a saída, com suas recordações e glórias conquistadas esta noite.
Agora a faxineira aliviada de seus encargos por sua vez também se retira...
  
Entretanto ainda nos camarins há luz e duas almas que se desejam fitam paralelamente os seus espelhos, rememorando os últimos fatos passados enquanto limpam os últimos resquícios da maquilagem...




Vácuo!
Ele num impulso desloca-se até o camarim dela, fita-a profundamente nos olhos através do espelho, lentamente se aproxima e sem necessidade de palavras toma-a delicadamente em seus braços e beijam-se lentamente, ternamente confirmando a incrível força do elo que os envolve fortemente.
  
A semente semeada germinou...
  
Como um choque, afastam-se abruptamente cônscios de que todo aquele amor tristemente lhes era negado pela força das convenções e da sociedade...
O velho relógio de carrilhão lentamente havia percorrido o seu caminho há muito decorado, numa triste sina de avisá-los através de suas arrastadas badaladas que a hora era chegada e a partida iminente.
Então fatalmente resignados apagam as luzes dos seus camarins, e caminham mudos com suas almas em prantos em direção a saída dos artistas.
Mas qual! Por ironia da vida os dois estão presos, esquecidos num imenso teatro vazio e escuro... E eles sabem que não podem ficar juntos a sós, pois o sofrimento seria maior. Eles voltam perplexos para o palco, olham na penumbra para filas e filas de poltronas inertes.
Emoções múltiplas percorrem seus espíritos e de repente desatam a rir, rir descontroladamente até que entre soluços e convulsões emudecem de chofre quando seus olhos se encontram. Fitam-se longamente seus lábios tremem levemente, encabulados abaixam suas cabeças por um tempo que lhes pareceu imensuráveis...

Eles se amam se querem muito, os seus sentimentos são fortes, porém eles sabem que não podem ou não devem se terem assim escravos dessa paixão desenfreadas, pois não querem macular esse louco, ardente e tão jovem amor, pois os seus sentimentos são captados em altas freqüências de vibrações, os seus anseios corpos e espíritos estão sintonizados para se encontrarem e completarem apenas no éter, longe de burocracias e mesquinharias das esferas mais baixas e assim poderem captar todas as essências imateriais e buscar a perfeição para sublimar cada vez mais esse puro e grande amor que agora os assola.

A semente foi semeada, germinou, agora cresce...
  
A linguagem entre eles é a arte e através da dança com sua coreografia e harmonia, o único instrumento possível para eles se possuírem até o âmago dos seus espíritos sem entrarem em conflitos de ordem psicológica ou social.

E na paz desse conhecimento mesmo que paliativo, eles comporam um Gran Pas de Deux baseado numa música buscada no éter materializada na terra, inaudível aos sentidos mas marcante na alma,  onde puderam ser um só para todo o sempre. Apenas com força desse amor como ferramentas eles esboçaram o enredo, criaram a coreografia e fizeram um cenário imaginário de translúcidas formas.
 
Satisfeito e com tudo pronto, dançaram, dançaram para si repetidamente pois eles tinham muito tempo pela frente.
O teatro assim vazio, a noite chuvosa lá fora, o desejo de ficarem juntos apesar de tudo... Tudo isso possibilitou que com a força do pensamento, o calor do desejo, a pureza do amor e o espectro da proibição eles criassem o Amor Bailarino e que os dois pudessem ser um só e se possuírem no mais profundo do ser quantas, quantas vezes dançassem agora e nos palcos futuros. Do mesmo jeito que lhes narrei esta história.

A semente foi semeada, germinou, cresceu e agora desabrocha em flores e...

Bem! Isto já é outra história!

Maurício Oslay De Vargas Alonso 24/11/1982