quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Como Começar? (Em dez tentativas)


Como Começar?

(Em dez tentativas)

I - A pressão está subindo em minha cabeça, um vazio imenso me devora, pensamentos tristes chicoteiam minha alma, sua falta me alucina e lembranças amargas numa dança macabra agitam-me o espírito, alterando a minha respiração. Estou tremendamente só; preciso de você!

II - Em minha cabeça tudo gira, tudo se mistura; os meus pensamentos, os meus sonhos, os meus medos, os meus conceitos, as minhas esperanças e minhas angustias e mágoas. O meu raciocínio turva-se estou perdido, por favor, ajude-me a achar uma saída...

III - Já é tarde e a madrugada lá fora está fria e triste, uma névoa esconde segredos... Nas ruas apenas espíritos contorcidos, pessoas que a alegria esqueceu almas que o álcool aquece, amantes que a Lua abraça alguns que a necessidade obriga ou mesmo aqueles que como eu vagam, sem destino pelas ruas múltiplas que se cruzam sem a consciência do vento cortante no rosto ou das câimbras nas pernas cansadas. Apenas com a necessidade de absorver toda a magia que somente uma madrugada pode oferecer.

IV - Todo este tempo longe de você, todo esse seu silêncio, toda a falta que você me faz, toda a magia desta madrugada... Tudo isso me pôs a pensar; sobre nós, sobre você e sobre mim. E sinceramente preferia poder esquecer de tudo um pouco. Queria poder esquecer que a amo, queria poder esquecer que você não me ama, que não estamos juntos e nem bem... Queria sim; poder esquecer que nunca poderei lhe dizer que a amo!
  
V - Sabe? Se algum dia você me perguntasse o que me faz ser tão triste e infeliz, apenas lhe responderia: Lembranças!
Lembranças de sonhos e desejos não realizados. E se nesse mesmo dia você me perguntasse, como você me poderia fazer feliz, eu lhe responderia suplicando: “Be my Baby”.

VI - Tempos atrás quando o meu amor por você explodiu, toda a minha estrutura se abalou e ainda hoje em meus ouvidos ressoa o eco desse impacto. A minha volta todos sentiram o efeito desse cataclisma... Mas só você... Surda permanece ignorante ao ribombar da minha paixão!

VII - Eu lhe amo, eu lhe adoro; eu preciso de você...
Apenas palavras? Ou reflexos de um sentimento?
Você não me ama, você não me adora, você não precisa de mim...
Novamente: apenas palavras?
Ou reflexos do meu medo... Ou retrato da minha dor!

VIII - Apesar de toda a força do meu amor por você, apesar de todos os desejos guardados em meu coração, apesar de todos os lindos sonhos contidos em minha ilusão. Existe uma coizinha miúda e singela que desejo um dia poder alcançar...
Sabe? Gostaria muito que um dia os fatos me fossem propícios e que oferecessem a oportunidade de pelo menos uma vez, tê-la em meus braços, sentir-lhe sutilmente minha, com a sua cabeça em meu peito, com seus olhinhos fechado e ver um leve traço de sorriso delineado em seus lábios e que mudos e magnetizados no tempo e no espaço, nós rodopiássemos ao compasso melódico de uma musica popular daquelas românticas e ternas tremendamente empáticas. Música essa que durante a sua duração nos levaria a um mundo paralelo só nosso onde sem uso de palavras nos faríamos entender apenas com um olhar, mundo esse onde nos desejaríamos e seríamos um só eternamente...

 IX – O tempo passa e como prova, é que agora são cinco horas e um pouco de um novo dia não o da Sexta feira quando iniciei estas linhas como se seria de se supor, mas de Domingo hoje!
Assim como estas linhas fundiram-se no tempo e que as horas, os minutos e segundos que as separam, passaram-se imperceptivelmente é que reparo que todo o meu amor por você também se fundiu!
Fundiu-se nas dores e esperanças, nas alegrias e mágoas, nos sonhos desejos e frustrações, entre o querer e o não poder. Deixando-me sem que eu percebesse, um pouco mais triste, um pouco mais distante, um pouco mais só, mas em compensação muito mais apaixonado!

X – Mais uma vez tento começar... Mas como?
Como poderei escrever-lhe tudo o que me passa em mente?
Como poderei dizer-lhe o que guardo no meu coração?
Sem me tornar repetitivo, lamuriento ou amargo?
Se pura e simplesmente você não me entende... Sim como começar a lhe dizer sobre o meu amor se o seu coração para mim está trancado hoje e quem sabe para todo o sempre?


MOVA 21/08/1983

A Distância


A Distância


Nós já estudamos muitas coisas tais como, sistema solar, planetas, constelações, peso, distância, velocidade da luz, teoria da relatividade do tempo etc. Sabemos que o astro rei do nosso sistema, é uma estrela de quinta grandeza de cor amarela e que este astro que tanto calor nos dá, que nos ilumina a vida e que nos banha com seu campo eletromagnético, está tão solitário no espaço há apenas oito minutos luz de nós e nem nos damos conta disso. Não calculamos a imensa distância que nos separa dele nestes míseros minutos, pois em muitas outras coisas temos nossas atenções voltadas...

Agora aqui sozinho no meio da noite, em meu quarto com o espírito contorcido de saudades, ponho-me a pensar e tento de alguma maneira expressar o quanto estou só e perdido nesta distância que me é rudemente imposta.
Quero tanto desabafar, falar das coisas que sinto, das coisas que fiz e dessa triste procura e esperança de encontrar-me mesmo por um segundo com aquela que o meu coração tanto anseia conquistar.

Puxa! Contando com hoje (01/02/1983), já são quarenta e três dias sem ver ou saber notícias dessa menina que eu desejo tanto. Todo esse tempo, tenho sofrido com a sua ausência, sofrido com esta minha inútil busca e este imenso vácuo de temperatura mortal, que cresce a cada segundo que não a vejo.

A cada dia que passa, sinto que estou a perdê-la, pois estou vagando em sentido oposto a ela, prisioneiro impotente, das leis que regem a inércia, me afastando a cada segundo, a velocidade da luz por quilômetros e quilômetros.

Há tanto tempo estou sem vê-la, que me faz sentir medo o passar das horas, torno-me descrente que a felicidade me seja permitida. Podem me achar e chamar de exagerado, já que estou apenas quarenta e três dias longe dela, mas eu provo com outra cifra que a distância é grande, pois mil e trinta e duas longas horas já passaram e a vida para mim nada significou sem tê-la tido junto a mim. E se ainda assim vocês não acreditam em mim, rebato dizendo-lhes que sessenta e um mil novecentos e vinte minutos penosos seguiram-se desde a última vez que a vi, sem falar nos milhares de angustiosos segundos escoados...

É tempo demais sozinho e amargurado, tempo suficiente, por exemplo, para a luz ter ido e voltado ao sol três mil oitocentos e setenta vezes seguidas, enquanto eu a procurava nos mais sombrios caminhos da razão.

É triste esta distância e eu acho que me resta apenas esperar mais um tempo para vê-la e se eu der sorte de conseguir as coordenadas do seu paradeiro então poderei partir com certeza em sua busca...

01h55min
MOVA 01/02/1983


   

A Distância II (05/02/1983 00h18min)


É! Os minutos, as horas e também os dias, continuam a passar indiferente a minha dor. O tempo marcha rumo ao futuro, deixando-me sufocado entre lembranças do passado, angustias do presente e incertezas do por vir.

Eu preso nesta cápsula espacial, que é o tempo, afastando-me vertiginosamente deste grande amor à velocidade incrível da luz rumo ao espaço, atravessando sistemas solares mil, nebulosas e galáxias, deixando para trás neste planeta o meu grande amor não correspondido.

Daqui onde me encontro, só através de potentes aparatos óticos, é que posso vislumbrar ao longe no firmamento, um diminuto ponto azulado na terceira órbita do meu longínquo sistema solar, que identifico como a minha saudosa Terra.

O meu coração bate mais rápido, sabedor da distância que me separa das coisas que me são caras. Agora, cada vez mais longe, já me é difícil ver esse mundo, mesmo através de instrumentos...

Solitário e triste, presa impotente do tempo, meu corpo jaz inerte indiferente a estímulos externos, minha mente vaga turva em conflitos, minha solidão teima em forçar lágrimas em meus olhos, minha boca treme enquanto meus lábios balbuciam seu nome, chamando-a, implorando o acalento dos seus, minha alma em febre contorce-se em dor com a sua falta.

É, a esta distância, no frio do espaço, só o pensamento pode me manter perto de você, lutando contra o tempo que nos afasta a cada segundo. Todo o meu ser se esforça em se concentrar apenas em você, senti-la invisível ao meu lado, lutando contra esta distância cruel.

Sabe? Desde o dia em que nos vimos à última vez, só decorreram quarenta e sete dias, mas nesta velocidade em que estou me afastando de você, já percorri milhões de quilômetros no espaço, já ultrapassei centenas de mundos e todo este tempo, senti a falta que você me faz e muito queria ouvir sua delicada voz, ver a sua bela imagem, mas o triste é que você nem sabe do meu amor!

Aqui nesta nave, tenho sensores e aparelhos de comunicação que abrandariam esta solidão, mas a enorme distância faria que eu esperasse quarenta e sete dias inteirinhos, até que a minha mensagem chegasse aí junto a você e outros quarenta e tantos para ouvir a sua resposta, isto caso eu permanecesse parado aqui neste ponto do universo. Entretanto, continuo me deslocando em silêncio, pois temo que você não possa me amar e a certeza disso, por certo me esmagaria por descompressão... Resta-me continuar a viagem, rumo ao amanhã desconhecido indefinidamente, mas trago no fundo da alma a esperança de que em algum dia, você note a minha ausência e que aflita invoques por mim. Eu a escutaria, pois minha nave tem sensores especiais, capazes de captar os seus mínimos chamados, acionando em seguida os retro propulsores, fazendo com que eu voltasse para si com uma velocidade superior a da luz, pois estaria voltando para você com toda a velocidade que o amor como agente propulsor é capaz!
MOVA 05/02/1983 

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O Encontro de Natal

- Vai graxa aí patrão?
Ele olhou para os sapatos empoeirados e respondeu: - Vai sim. Em seguida, pensou na dureza da vida de engraxate, agora que todo mundo só calça tênis. O menino, franzino, não tinha mais do que oito anos e, em vez de boné, usava um gorro de papai Noel. Foi quando o "patrão" perguntou:
- Onde você mora?
- Na rua.
- Você não tem casa?
- Tinha, mas minha vó mandou a gente embora.
- Por quê?
- Porque minha mãe falou que o vô era meu pai. Aí a vó disse que ela tava louca e pôs a gente para fora de casa... Minha mãe é aquela ali, ó. (Aponta para uma mulher maltrapilha sentada na calçada, do outro lado da rua).
- Qual é o nome dela?
- Nazaré.
- E você tem ou não tem pai?
- Tenho. Tô aqui esperando ele chegar.
- Onde ele mora?
- Em Mirassol. Esse ano ganhou indulto de Natal. Ele disse que vai trazer uma bola de presente para mim, para a gente jogar futebol.
(o Terminal Barra Funda, em São Paulo, é onde param os ônibus que vem dos presídios do interior do estado)
- Poxa, que legal! É a primeira vez que ele sai de lá?
- É.
- Há quanto tempo ele está preso?
- Desde que eu nasci.
- E o que foi que ele fez?
- Ele matou meu vô.
- Por quê?
- Porque ele disse que o vô "estrupô" minha mãe.
- Ah... E você sabe o que é isso?
- Não. Mas meu pai me disse que minha mãe não é louca e que ficou daquele jeito por causa dos remédios que deram para ela no posto. É que tentaram envenenar ela...
- É mesmo?
- É, minha tia me falou. Quando ela saiu do hospital tava assim. Ela quase não fala mais, quando fala diz que eu tenho dois pais: o papai do céu e o papai do chão. Aí ela ri, depois ela chora, aí começa a bater nela... A gente tem que segurar, para ela não se machucar.
- Quanto custou o sapato?
- Nada.
- Como assim?
- Você não viu que hoje eu sou o papai Noel?
- Ah, entendi, o gorro...
- Sabia que hoje é dia mais feliz da minha vida?
- Não, por quê?
- Porque é meu aniversário e vou encontrar meu pai.
- E como chama seu pai?
- José.
O "patrão" se despediu e, enquanto caminhava apressado, sem olhar para trás, chorou. Um choro que não era dele, mas da dor representada pela doce e alegre figura do pequeno filho de Nazaré. 

Excelente conto de 'Natal' do Marco Aurélio Melo
DoLaDoDeLa