sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Imagine acontecendo

IMAGINE ACONTECENDO


SENHOR DELEGADO:

Espero que estas que se seguem, sejam do seu agrado e conseqüente-mente ajudem-no a julgar este desesperado. Olhe-me nos olhos, veja a minha aflição, tente pôr um momento enxergar dentro, o meu coração. Olhe-me de cima a baixo, através e dos lados, mas principalmente olhe-me de frente!
Talvez repare então que até me faltam alguns dentes... Se falta de vergonha não é desculpa, saiba que meus bolsos são carentes... Não é minha culpa! Se a minha aparência não é das melhores... Vamos e convenhamos. Também não é das piores.  Então doutor... Serei aberto:
Não me julgue pela aparência... Eu lhe rogo, eu lhe peço!

Agora, quanto ao fato da minha detenção, eu explico:

Eu "tou” duro... O Senhor sabe... Não sou rico! Bem! Com esta inflação, e eu sem um tostão... A solução me foi abdicar da condução. À hora era tardia, e eu com a barriga vazia, entretido em meus pensamentos pela rua íamos...

Estanquei ante a voz que dizia: POLÍCIA! DOCUMENTO!

Ao que lamento, pois sou mais teimoso que jumento e em qualquer lugar que eu vá... Só ando sem documentos! E já, já, rapidamente como nova forma de entretenimento a ronda me pegou só de divertimento. Trazendo-me aqui preso e dolente para alguns esclarecimentos, que eu sem mais delongas me apresento para o depoimento.

Senhor! Sei que o seu tempo é valioso...
Sei que problemas nas ruas existem em cada curva em cada reta, Mas convenhamos, não vale muito...  perde-lo  apenas, com um simples poeta!
Se crime eu cometi...

Garanto! Foi o simples fato de eu existir... E de no seu caminho de trabalho lhe sorrir! Sim, eu estava a sorrir, pois a vida para mim é bela mesmo se eu for trancafiado numa cela, ainda assim gosto muito dela...

Será que é crime ter como armas uma caneta e um papel?
E de eu disparar palavras do fundo d'alma a granel?
Ora! Eu apenas disparo, em profusão, tristes palavras de tensa comoção.
Atiro sim, a torto e a direito, a esmo mesmo, em qualquer direção.
Tal como cupido com suas flechas despertando paixão...
Sinceramente veja se não tenho razão:
Será crime, se inconscientemente, algum dia roubei um coração?

Em caso positivo... Apresento então uma queixa: Roubaram também o meu coração! Sim... Acertaram-no com a flecha do amor e ferido desde então, foi tomado de forte paixão!
E a mulher, doutor... Aquela ladra, fonte da minha Inspiração, neste momento, doutor, deve estar a ver televisão... Impune a lei... Aninhada, eu sei, num gostoso e macio almofadão!

Seu Doutor, pôr favor, deixa-me ir... Pois  rapidamente, daqui quero sair...
... Se aqui não há nenhuma acusação registrada...
Então me manda embora para junta da minha amada!

O senhor Delegado sentado, empertigado, e um tanto acabrunhado.
(Pôr uns instantes meditando, assume uma expressão de cansado.)

- OK - disse ele - Está liberado... Mas, da próxima, tome cuidado!

E eu contente, respirei aliviado, mas um tanto aparvalhado num canto fiquei parado...

- Doutor? - Perguntei acanhado.
- O que? - Disse o delegado zangado.
- Sabe? Lá fora tem muito bandido, atentado, crime e pavor...
...Sabe doutor, eu quero voltar correndo para o meu amor, mas tou duro e... Até lá... A distância é um horror!
E. Bem... Tenho então um pedido do fundo do coração...
Leva-me para casa de camburão?

- João! Depressa! Tranca esse doido na prisão!

                                                                                   MOVA 31/01/1984

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