domingo, 14 de novembro de 2010

Não se come uma mulher


Não se come uma mulher (Fabrício Carpinejar)

“(…) Quando se ama uma mulher, é preciso a safadeza, a vontade sem pudor, o desejo diabólico, a tara. 

Não se conter, não se represar. A ânsia, a violência e a obsessão são permitidas.
Mas tudo será grosseria desacompanhada da pureza. Pureza é autenticidade. Não fingir, não disfarçar, não dizer o que não está sentindo.
Já ouvi muito que sexo não é seguir a cabeça e deixar as coisas aconteceram. Sexo seria não pensar. Não concordo, sexo não é inconseqüência, é conseqüência da gentileza.
Conseqüência de ouvir o sussurro, de ser educado com o sussurro e permanecer sussurrando.
Perder o pudor, não perder o respeito. Perder a timidez, não perder o cuidado.
Sexo é pensar, como que não? E fazer o corpo entender a pronúncia mais do que compreender a palavra. Como se não houvesse outra chance de ser feliz. Não a derradeira chance, e sim a chance.
Uma mulher está sempre iniciando o seu corpo. Toda a noite é um outro início. Uma mulher está sempre iniciando o seu corpo. Toda a noite é um outro início. Toda a noite é um outro homem ainda que seja o mesmo.
Não se transa com uma mulher pela repetição. Seu prazer não está aprendendo a ler. Seu prazer escreve - e nem sempre num idioma conhecido. Ela pode ficar excitada com uma frase.
Não é colocando de repente a mão na coxa. Ela pode ficar excitada com uma música ou com uma expressão do rosto. Não é colocando a mão na sua blusa. Mulher é hesitação, é véspera, é apuro do ouvido.
Antever que aquelas costas evoluem nas mãos como um giz de cera. Reparar que a boca incha com os beijos, que o pescoço não tem linha divisória com os seios, que a cintura é uma escada em espiral.
(…) Amar não é uma regra, e sim onde a regra se quebra.
Não se come uma mulher, ela é que se devora.

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