quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

E Mil Novecentos e Oitenta e Três se Foi...


E Mil Novecentos e Oitenta e Três se Foi...
  
No ar ressoa ainda o estampido de mil foguetes e rojões a espantarem os espíritos maus de Oitenta e três.
Através das paredes uma mistura de sons, burburinhos, vozes e gritos fazem-se notar aqui no meu quarto, acompanhados de uma música não identificada por mim, ao que me parece, deve haver muita alegria lá fora...
Carros com os escapamentos abertos roncam a uma grande velocidade como se quisessem fugir do ano que se passou. Distanciarem de tudo aquilo de triste ou ruim que ele nos legou implacavelmente!
As pessoas gritam, outras choram ou cantam e riem, batem palmas, aumentam o volume de um rádio que neste momento executa um barulhento e animado samba que por sinal é a própria exaltação da alegria.

Elas se abraçam, se beijam, trocam cumprimentos e manifestações de solidariedade. Elas são participantes e cúmplices inconscientes do ritual da “Grande Festa” que tem por finalidade extravasar alegrias sintéticas, confessar  esperanças, esquecer dissabores, mas entretanto acredito que elas trazem escondida no fundo de seus corações, uma amargura e por que não dizer uma tristeza cármica por tanta miséria circundante, herança deste e de outros anos que passaram...

Meu Deus! Ou eu sou diferente dos demais e por isso sofro agora ou então esta alegria esfuziante aí fora só possa vir a ser uma ilusão em massa... Das massas!
Diga-me: Quem pode estar feliz hoje, após Ter sobrevivido a duras penas, `a um ano de duzentos e tantos por cento de inflação oficial e sabendo que de uma tacada só a partir de hoje mais trezentos produtos terão seus custos majorados?
Quem pode estar feliz com a eterna seca do Nordeste, com as enchentes no Sul e calamidades mil como a do morro do Pavãozinho?
E a violência então a nos famigerar? E a corrupção geral que nos suga e sufoca? E os escândalos estatais e os das empresas de iniciativa privada?
Quem? Quem ao se lembrar disso tudo pode agora estar feliz? Quem pode ter o máximo de felicidade com o mínimo de salário vigente que nos impuseram?
 

 É... Num país de milhares de subempregados e desempregados, onde outros milhares passam fome e dela inexoravelmente morrem prematuramente diariamente injustificadamente; é que lemos então nos jornais a vergonha absurda impressa em letras garrafais tais como: “Produtor enterra carga de um caminhão de gêneros alimentícios”, “Governo queima cafezais no Sul”, “Brasil compra toneladas de carne estragada”, “Milhares de litro de leite derramados em represália ao baixo índice do percentual de majoração de preços”, por aí afora...

Uma vergonha gente!

E em quanto isso os mafiosos dos grandes, “Super e Hipermercados”, vão roubando descaradamente e impunemente dia a dia em cada remarcação dos preços incutidas aos pouquinhos, esquecendo-se (eles) que seus grandes estoques, de mercadoria são imunes a inflação baseado num acordo meio esquisito com o governo que banca os juros de suas compras; isto é: eles compram com descontos de preço à vista, mas pagam suas dívidas entre três e quatro vezes enquanto sua grana braba livre de impostos é aplicada no “opem”, por exemplo...
E depois nos querem passar a imagem de bons samaritanos com suas ofertas milagrosas “de cair o queixo” que não passam de uma oportunidade de desencalhar estoques! Isso, sem falar da história, das sacolas promocionais pagas, lembram? Bem, se eu for especificando cada item da imensa lista de tormentos que nos afligem o ano de Oitenta e Quatro vai acabar e talvez eu nem chegue a terminar de falar sobre o primeiro semestre de Oitenta e Três.

Entretanto se a alegria demonstrada aí fora hoje, for uma tentativa de esquecer todas as chagas físicas e espirituais adquiridas no decorrer deste ano que passou, paciência! Não posso fazer nada, pois acho que cada um se ilude do jeito e intensidade que quiser e puder. Os resultados se vêem depois ao vivo ou nas manchetes dos jornais.
Porque a falsa alegria não passa de euforia e leva a excessos tais como embebedar-se que por sua vez libera insensatez e violência e o resto, bem o resto vocês já imaginam.
 Agora se alegria for genuína; parabéns! Prova de que o ser humano tem uma grande capacidade de se adaptar mesmo no meio mais agreste...

Quanto a mim, tô triste pacas e muito e muito fulo da vida, e como não quero ninguém como bode expiatório, descarrego então a minha frustração nesta praga de ano que terminou, embora o coitado em si não tenha culpa de nada já que ele nunca existiu realmente. Pois ele é (foi) apenas uma convenção para rotular um período entre tantos do tempo cósmico, do tempo global para uma melhor percepção do mesmo.

Agora por convenção minha este ano para mim nunca existiu e conforme o que falei a pouco que cada um se ilude do jeito e intensidade que quiser... É o caso!
Hum! Pô tá tocando agora no rádio aí do vizinho a hoje para mim imprópria musica de exaltação, a tal de "Cidade Maravilhosa"...
A onde está a maravilha? Ai! Que ódio! Sem mais o que falar, a não ser me desculpar por estar assim tão azedo... Salve então Oitenta e Quatro, recém-chegado e a esperança de um ano melhor também!


01/01/1984                                                     Maurício Oslay de Vargas Alonso

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